Este processo ocorria não apenas porque indivíduos, ordens e lugares desejavam tais privilégios, a fim de aumentar seu status espiritual, mas sobretudo porque o privilégio na maior parte dos casos resultava em ganhos monetários substanciais e firmes. As possibilidades fiscais foram vistas desde o período primitivo. Lá pela Idade Média a prática de vender indulgências por dinheiro tornou-se generalizada e até abusiva.
A venda de indulgências tomou vários contornos. Se o privilégio de conceder indulgências era ligado ao santuário de algum santo, resultava no aumento de peregrinos e, daí após cada visita, numerosas moedas eram invariavelmente deixadas atrás deles, a indulgência tornou-se ipso facto um chamariz de dinheiro de considerável importância. Isto alcançou proporções tão absurdas que uma vez nada menos de 800 indulgências plenárias, acompanhadas das ofertas apropriadas foram ligadas a São Pedro em Roma.
A pequena Igreja de Porciúncula, onde Francisco de Assis teve uma visão, foi enriquecida com uma nova forma de indulgência chamada “toties quoties”, que significava que qualquer pessoa que a visitasse em agosto durante um dia santo especial, obtinha indulgência plenária cada vez que entrasse na igrejinha. A novel indulgência era boa demais para ficar restrita a Porciúncula e em tempo algum os Franciscanos de parte alguma queriam privilégio semelhante com o resultado de que logo toda igreja franciscana em cada país tinha o seu Dia de Porciúncula. Outras ordens monásticas, é claro, não puderam resistir a tão boa oportunidade, e os Dominicanos, os Carmelitas e inúmeras outras seguiram devidamente o mesmo curso.
Então havia o altar privilegiado. O papa prometia que se a missa fosse rezada em dado altar, a alma em sufrágio da qual a missa fosse rezada seria imediatamente libertada do purgatório. Cada igreja foi logo agraciada com esse altar. Se as cruzadas abriram dilúvios de portas às indulgências, a fabricação de dinheiro da multiplicação das indulgências, sem dúvida, trouxe um verdadeiro dilúvio de indulgências como meio de acumular riqueza, particularmente quando aplicáveis aos mortos, compelindo, assim, como acontecia, os membros da família a pagar pelo livramento das almas dos seus amados das chamas do purgatório. O absurdo disto pode ser deduzido pelo fato de que nada mais, nada menos de 9.000 anos, mais 9.000 quarentenas para cada degrau da Scala Santa em Roma, eram transferidos para as almas dos mortos.
Isto foi concedido pela autoridade do Papa Pio VII e também de Pio IX. Por que tão incríveis indulgências? Porque supunha-se que a Scala Santa era a escada da casa de Pilatos em que Cristo subiu para ser julgado. As estações da Via Crucis também em Roma, eram tão ricas em indulgências, que de acordo com uma eminente autoridade no assunto (1), um católico romano podia, dentro de apenas um ano ganhar 49 indulgências plenárias e mais de meio milhão de anos parciais.
Um registro inglês que apareceu cerca do ano de 1370 enumerava as indulgências oferecidas pelas 147 igrejas de Roma, sendo o seguinte, apenas um exemplo típico:
Sabemos, por exemplo, que em São Pedro, da quinta-feira até o Lammas (1º de Agosto) havia uma indulgência diária de 14.000 anos, e sempre que o Vernicle (Sacro Voto) era exibido, havia uma indulgência de 3.000 anos para os cidadãos, 9.000 anos para os italianos e 12.000 anos para os peregrinos de além mar. No Dia de Santo Anastácio havia uma indulgência de 7.000 anos cada dia, no de São Tomás, uma de 14.000 anos com 1/3 de remissão de pecados para todos que chegassem. (2)
As indulgências cresceram em número e poder com o passar do tempo, até que finalmente elas se tornaram tão ilimitadas que até os mais piedosos começaram a ter suas dúvidas quanto à sua eficácia.
Gerson sugeria que elas foram exageradas por causa da avareza dos perdoadores, “isto é, o povo que as estava vendendo” e declarava incidentalmente que como muitos negociavam com milhares de anos, não podiam ter a autoridade dos papas, visto como o purgatório terminaria com o fim do mundo. (3)
Por outro lado, outra autoridade menos devota, Lavorio, declarou que as indulgências de 15.000 e 20.000 anos eram prova da existência do sofrimento purgatorial que os pecadores endurecidos deviam esperar, enquanto Polacchi argumentava que tais indulgências não deviam parecer absurdas ou incríveis, quando refletimos que um simples dia no purgatório corresponde a muitos anos das piores angústias corporais durante a vida. (4)
A extravagância das indulgências continuou. Em 1513 por exemplo, o Papa Leão X concedeu ao Servite Capela de Santa Anunciada em Florença que todos que a visitassem no sábado deveriam obter mil anos e tantas quarentenas e dobrar essa quantidade nas festas da Virgem, Natal, Sexta e Sábado da Semana Santa. (5)
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