SALVADOR PROMETIDO PELO PRÓPRIO DEUS:
Após o pecado de nossos primeiros pais e, a sua decorrente punição, Deus faz uma promessa: “Porei inimizade entre ti (serpente = satanás. cf. Ap 12.9; 20.2) e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn 3.15; Gn 17.7). Como diz Law, “estas foram as primeiras palavras da graça a um mundo perdido”.[14] De fato, aqui temos o protoevangelium, o primeiro vislumbre histórico do Evangelho de Jesus Cristo (Mc 1.1), Aquele que viria em graça restaurar o seu povo à comunhão com Deus. Ele viria como de fato veio, da “semente” da mulher (Mt 1.18-25; Lc 1.35), se constituindo no segundo Adão. Caso Jesus Cristo não se constituísse em descendência do primeiro casal, a promessa de Deus teria falhado e também, Cristo não poderia ser o representante legítimo do seu povo. Por outro lado, se Jesus Cristo pecasse, o seu sacrifício não teria valor vicário pois Ele mesmo precisaria, nesta hipótese, ter seus pecados expiados. Entretanto, a Bíblia afirma que Jesus veio da semente da mulher, sendo verdadeiramente homem – não obstante ser verdadeiro Deus –, todavia sem pecado (Jo 8.46; 2Co 5.21; Hb 2.17-18; 7.22-28; 9.23-28).
Jesus Cristo cumpriu o propósito de Deus a despeito de todas as tentativas de Satanás para frustrá-lo e, apesar da gravidade do pecado humano e de suas conseqüências, Jesus venceu. A graça de Deus é mais forte do que a obra pecaminosa do homem: a vida é mais forte do que a morte (Rm 5.12-15; 1Co 15.20-28; 45-49; 67,58). Como, escreveu Calvino: “Cristo suplantou a Adão, o pecado deste é absorvido pela justiça de Cristo. A maldição de Adão é destruída pela graça de Cristo, e a vida que Cristo conquistou tragou a morte que procedeu de Adão.”[15]
A SALVAÇÃO PROPORCIONADA POR CRISTO:
“Por que é o Filho de Deus chamado JESUS, isto é, SALVADOR?” “Porque ele nos salva de nossos pecados e porque a salvação não pode ser buscada ou encontrada em nenhum outro”.[16]
A salvação é uma prerrogativa única e exclusiva de Deus: ele tem poder e total liberdade para salvar a quem ele quiser; a Palavra diz que a salvação pertence a Deus (Hb 2.10; 5.9; Tg 4.12; Ap 7.10; 19.1). Por isso, a nossa salvação repousa unicamente em Deus. A Bíblia nos diz que a Salvação:
1) É oferecida por Deus unicamente através de Cristo, mediante a pregação da Palavra: Jesus Cristo é o único salvador. A Igreja anuncia a Palavra porque é através da Palavra que Deus produz a fé salvadora em seus escolhidos. (At 2.47; 4.4,12; Rm 10.13-17; Hb 7.25; 1Jo 4.14; Jd 25; Tg 1.18; 1Pe 1.23).
2) É resultado da nossa eleição: Deus nos escolheu na eternidade para a salvação em Cristo Jesus. (Ef 1.4; 1Ts 5.8,9; 2Ts 2.13; 2Tm 2.10).
3) É obra da graça de Deus: A nossa salvação é decorrente do Pacto da Graça, através do qual Deus confiou o seu povo ao seu Filho para que este viesse entregar a sua vida pelos seus escolhidos. Cristo deu a sua vida em favor de todos aqueles que o Pai lhe confiara na eternidade. (Sl 89.2,3; Is 42.6; 2Tm 1.9; Jo 6.39; 17.1,6-26).[17] Assim, todos os homens que creram, tanto no Antigo como no Novo Testamento, foram salvos pela graça (At 15.11).
Mérito e graça são conceitos que se excluem (Rm 11.6). “A graça divina e o mérito das obras [humanas] são tão opostos entre si que, se estabelecermos um, destruiremos o outro”, conclui Calvino (1509-1564).[18] De fato, a graça tem sempre como pressuposto a indignidade daquele que a recebe.[19] A graça brilha nas trevas do pecado; desta forma, a idéia de merecimento está totalmente excluída da salvação por graça (Ef. 2,8,9; 2Tm 1.9). A Palavra de Deus nos ensina que a nossa salvação é por Deus, porque é Ele quem faz tudo; por isso, o homem não pode criar a graça, antes, ela lhe é outorgada, devendo ser recebida sem torná-la vã em sua vida (2Co 6.1; 8.1; 1Co 15.10).
4) É efetivada pelo poder soberano de Deus: A nossa salvação é decorrente primeiramente da vontade soberana de Deus (Mt 19.23-36; Hb 7.25; Tg 4.12). Deus age através da sua poderosa palavra (Rm 1.16; 9.16-18; 10.17; 1Co 1.18), conduzindo-nos a Cristo (Jo 6.44,65), confessando-o como nosso Senhor (1Co 12.3). Deus mesmo dá-nos a certeza de que fomos salvos pelo poder da sua graça (Jo 10.27-29); confirmando (Rm 16.25-27);[20] selando (Ef 1.13; 4.30), edificando (At 20.32), santificando (2Ts 2.13) e preservando-nos (Jd 24,25), até à conclusão do seu propósito em nós: A salvação eterna para a glória de Deus (Fp 1.6; 2Ts 1.11,12; 1Pe 1.3,5; 2Pe 1.3).
5) É segundo a sua misericórdia: A misericórdia de Deus é uma demonstração da sua bondade para com aqueles que estão em miséria e pecado: Misericórdia sempre pressupõe necessidade daquele em quem ela é exercitada. Este é o estado do homem até que Deus o salve (Ef 2.4-5; Tt 3.5).
6) É fruto da longanimidade de Deus: Deus é paciente na execução do seu juízo, oferecendo tempo para que o homem se arrependa dos seus pecados e seja salvo. (2Pe 3.9,15).
A EXTENSÃO DA SALVAÇÃO PROPORCIONADA POR JESUS CRISTO:
JESUS SALVARÁ TODO O SEU POVO:
Jesus veio morrer pelo seu povo, cumprindo as demandas da Lei, sofrendo em lugar daqueles que ele representava, conseguindo assim, de forma inexorável, a salvação de todos os eleitos, conforme o Pacto feito entre ele e o Pai na eternidade. (Is 53.10-11; Mt 1.21; Jo 6.37-40,44,65; 10.14,15; 24-29; 17.6-26; Rm 5.12-21; Ef 5.25-27).
A Confissão de Westminster (1647) declara:
… Os que, portanto, são eleitos, achando-se caídos em Adão, são remidos por Cristo, são eficazmente chamados para a fé em Cristo, pelo seu Espírito que opera no tempo devido, são justificados, adotados, santificados e guardados pelo seu poder, por meio da fé salvadora. Além dos eleitos não há nenhum outro que seja remido por Cristo, eficazmente chamado, justificado, adotado, santificado e salvo.[21]
JESUS SALVA O HOMEM TODO:
A Bíblia declara que Jesus veio salvar o que estava perdido (Mt 18.11; Lc 19.10), os pecadores (Jo 3.16-17; 12.47; 1Tm 1.15). Jesus salva o seu povo por inteiro. A Bíblia não apresenta, como muitos imaginam, uma espiritualização da salvação, como se o corpo fosse mau e a alma (= espírito) fosse boa, conforme geralmente os filósofos gregos pensavam. A redenção de Cristo é para o homem inteiro pois todo ele está a carecer da libertação do poder do pecado.
Alguns elementos são fundamentais para a nossa compreensão desse ponto:
1) A Escritura usa indistintamente as palavras “salvação” e “cura”:
O verbo salvar (Σῴζω), o substantivo salvação (Σωτερία) e o adjetivo salvador (Σωτήρ) são usados de forma intercambiável para se referir à salvação eterna bem como ao livramento (= cura, libertação, segurança).
a) Salvar (Σῴζω): Mt 1.21; 9.21-22; Mc 6.56; 8.35; 10.26,52; At 4.9; 27.30; 1Co 1.18; Jd 5, etc.
b) Salvador (Σωτήρ) e Salvação (Σωτερία): Lc 1.47,69,71,77; 2.11; At 4.12; 27.34; Fp 1.19, etc.
2) A encarnação do Verbo de Deus: Sendo o corpo (matéria) mau – conforme os gnósticos criam –, o Verbo de Deus não poderia ter assumido uma forma humana (Jo 1.14).
3) A Ressurreição de Jesus bem como a sua ascensão: (Jo 20.26-29; At 1.9-11).
4) A Ressurreição final: Se o corpo é mau, não deveríamos ter um corpo na eternidade; entretanto, a Palavra nos ensina que quando Cristo retornar, os mortos ressuscitarão e, os que estiverem vivos terão os seus corpos transformados, adaptados à eternidade. (Rm 8.11; 1Co 15.20-23; 35-43; 50-58; Fp 3.21). O “corpo espiritual” [22] que teremos (1Co 15.44) não deve ser entendido como uma incorporeidade, mas, sim, “uma existência humana total, alma e corpo incluídos, que será criada, penetrada e controlada pelo Espírito de Cristo.”[23] Um corpo “totalmente pertencente à nova era, totalmente sob a direção do Espírito”.[24] Ou, nas palavras de Calvino (1509-1564), um corpo no qual “O Espírito será muito mais predominante (…). será muito mais pleno….”[25]
A salvação de Jesus Cristo é para o homem todo; Jesus se interessa com a inteireza do homem (corpo e alma).
JESUS SALVA O HOMEM ETERNAMENTE:
A salvação efetuada por Jesus começa aqui e agora e, jamais terá fim: é uma salvação eterna. (Jo 3.16; 3.36; 6.47; 1Tm 6.12; 2Tm 4.18; Hb 9.28; 1Pe 1.5).
[14] Henry Law, O Evangelho em Gênesis, São Paulo: Editora Leitor Cristão, 1969, p. 33. [15] João Calvino, Exposição de Romanos, São Paulo: Paracletos, 1997, (5.17), p. 194-195.
[16] Catecismo de Heidelberg, perg. 29.
[17] Vd. John Gill, A Complete Body of Doctrinal and Practical Divinity, Arkansas, The Baptist Standadar Bearer, 1989 (Reprinted), I.13. p. 83. [John Gill, “A Complete Body of Doctrinal and Practical Divinity,” The Collected Writings of: John Gill, [CD-ROM], (Albany, OR: Ages Software, 2000), I.13].
[18] J. Calvino, Exposição de Romanos, (11.6), p. 388. À frente Calvino continua: “É preciso lembrar que sempre que atribuímos nossa salvação à graça divina, estamos confessando que não há mérito algum nas obras; ou, antes, devemos lembrar que sempre que fazemos menção da graça, estamos destruindo a justiça procedente das obras.” [Exposição de Romanos, (11.6), p. 389].
[19] Vd. A. Booth, Somente pela Graça, p. 13.
[20] Calvino (1509-1564), comentando o texto de Rm 16.25, diz que Paulo ensina aqui a perseverança final. “E para que descansem (os romanos) e se apoiem neste poder, indica que ele nos foi assegurado pelo evangelho. Por isso não só nos promete a graça presente, ou seja, atual, senão também nos dá a certeza de uma graça eterna. Pois Deus nos anuncia que não somente é nosso Pai agora, senão para sempre, e o que é mais ainda, sua adoção sobrepassa a morte porque nos conduz à herança eterna.” (J. Calvino, La Epistola Del Apostol Pablo A Los Romanos, Grand Rapids, Michigan: Subcomision Literatura Cristiana de la Iglesia Cristiana Reformada, 1977, p. 393).
[21] Confissão de Westminster, III.6. Vd. também os capítulos VII e VIII; Catecismo Maior de Westminster, Pergs. 30-36, 41; Catecismo Menor de Westminster, Pergs. 20-21.
[22] “Σω̑μα πνευματικόν”
[23] Hendrikus Berkhof, La Doctrina del Espíritu Santo, Buenos Aires: Junta de Publicaciones de las Iglesias Reformadas/ Editorial La Aurora, 1969, p. 120.
[24] J.D.G. Dunn, Espírito: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, Vol. II, p. 144. De igual forma, interpretam: F. Baumgärtel, Πνευ̑μα: In: G. Friedrich; G. Kittel, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Vol. VI, p. 421; A.A. Hoekema, A Bíblia e o Futuro, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1989, p. 88-90; Idem., Criados à Imagem de Deus, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 268; W. Hendriksen, A Vida Futura Segundo a Bíblia, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1988, p. 193; Ray Summers, A Vida no Além, 2ª ed. Rio de Janeiro: JUERP., 1979, p. 90-91; Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática, p. 520. Charles Hodge, sem aludir ao texto, faz uma distinção entre o céu e o inferno, dizendo: “O céu é um lugar e estado em que o Espírito reina com absoluto controle. O inferno é um lugar ou estado em que o Espírito já não refreia nem controla. A presença ou ausência do Espírito estabelece toda a diferença entre céu e inferno” (Charles Hodge, Teologia Sistemática, São Paulo: Editora Hagnos, 2001, p. 983-984).
[25] João Calvino, Exposição de 1Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 15.44), p. 483-484.
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