Às vezes minha família tenta me surpreender. Mas, geralmente, sou capaz de estragar as surpresas antes dos presentes serem dados… ou posso fingir que não me importo quando não adivinho de antemão.
É um mau hábito, realmente. Eu não o recomendaria. Frustra a minha esposa quando chega o momento de dar o presente. Minha filha mais nova tem assumido um pouco dessa tendência. Temo que ela perca muito da maravilha que há na vida porque seu pai é uma pessoa mal-humorada.
Às vezes, no entanto, sou surpreendido pelo inesperado – como aconteceu em dois debates recentes com apologistas muçulmanos. Em ambas as ocasiões, um inquiridor levantou uma pergunta sobre a criação do homem e a existência do pecado. E, em ambas as ocasiões, fiquei boquiaberto com a resposta que meus oponentes muçulmanos deram à pergunta.
No primeiro debate, o apologista muçulmano afirmou que os cristãos não entendem o relato de Gênesis sobre a criação de Adão e Eva. Ele insistiu em que Adão – e, por consequência, nenhum profeta de Deus – jamais pecou. “Eles cometeram alguns erros”, ele admitiu, “mas os profetas são livres de pecado”.
Até mesmo metade do auditório, predominantemente muçulmano, inclinou as costas em admiração.
No segundo debate, o jovem muçulmano se embaraçava enquanto explicava que Deus não exige perfeição de nós porque nos fez com um defeito sério. De novo, um silêncio meditativo tomou conta do auditório enquanto ponderavam nas implicações desta afirmação. Pedi esclarecimento: “Você está dizendo que Deus nos fez pecadores?”
De novo, o embaraço. “Estou dizendo”, ele replicou, “que é injusto da parte de Deus fazer-nos desta maneira e esperar perfeição de nós. Portanto, Deus não espera perfeição de pessoas que ele fez desta maneira”.
Repousando Levemente na Consciência Muçulmana
A reposta dos dois palestrantes muçulmanos revela diferenças significativas entre muçulmanos e cristãos em seu ponto de vista sobre a humanidade. Embora muçulmanos e cristãos concordem que o homem é um ser criado, que deve adoração e obediência a Deus, eles diferem, de várias maneiras, em seu ponto de vista sobre o homem e o pecado. A fim de comunicar o evangelho e a necessidade de aceitar o Salvador, os cristãos precisam entender essas diferenças.
Aqui estão quatro perguntas sobre a humanidade que um cristão e um muçulmano responderiam de maneira diferente.
As pessoas são criadas à imagem e semelhança de Deus?
Os cristãos creem que Deus criou a humanidade à sua própria imagem e semelhança (Gn 1.26-27). Consequentemente, a humanidade reflete algo da glória de Deus de modo singular. A humanidade – tanto homens quanto mulheres – forma o clímax da criação de Deus, e é dotada de capacidades que a separa do resto da criação. Ser feito à imagem de Deus investe o homem de imensurável dignidade, provendo a base para a ética social que inclui desde o nosso falar uns com os outros (Tg 3.10-11) até a proibição de assassinato e o uso de sentenças de morte judiciais (Gn 9.5-6).
Os muçulmanos rejeitam a ideia de que o homem é criado à imagem e semelhança de Deus. O islamismo ensina que Alá é totalmente distinto de sua criação. Nada na criação compartilha a glória ou a semelhança de Alá. E, contrastando a ideia de ser achado “bom” nesta criação, o Alcorão ensina que o homem foi feito com uma fraqueza (Sura 4:28).
Onde se origina o pecado?
Muçulmanos e cristãos também diferem quanto à origem e ao significado do pecado. A Bíblia ensina que Adão, representando toda a humanidade, cometeu o primeiro pecado quando transgrediu o mandamento de Deus sobre não comer da árvore do conhecimento do bem e do mal (Gn 2.16-17; 3). Quando Adão cometeu aquele pecado, toda a humanidade caiu com ele. “Assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram” (Rm 5.12). A Bíblia prossegue e diz que, por consequência, “veio o juízo sobre todos os homens para condenação” e “pela desobediência de um só homem, muitos se tornaram pecadores” (Rm 5.18-19).
A desobediência de Adão produziu várias consequências trágicas. Primeiramente, o pecado introduziu a morte no mundo como a penalidade pela transgressão. Em segundo, o ato de Adão mergulhou consigo toda a humanidade no pecado e na condenação de Deus sobre todos os homens. Em terceiro, o pecado de Adão corrompeu profundamente a natureza da humanidade, de modo que o homem não somente peca, mas também é um pecador. De fato, o homem não é um pecador por causa de seus pecados; o homem peca porque, em seu âmago, é um pecador. O pecado não é apenas o que fazemos, é o que somos. E, por esta razão, a Bíblia ensina que o homem é escravo do pecado (Rm 6.6, 15-20; 7.25).
Mas o ponto de vista islâmico é bem diferente. O relato muçulmano da criação não inclui qualquer ênfase significativa quanto ao pecado de Adão ou quanto à queda da humanidade no pecado. Não é dito que Adão pecou contra Deus, e sim que ele cometeu um erro ético. Os muçulmanos consideram injusta a ideia de que o pecado de uma pessoa seja, de alguma maneira, atribuído a outra. O Alcorão ensina que “a responsabilidade de uma alma não pode ser transferida a outra” (Sura 6:164; 17:15; 35:18; 53:38).
Portanto, os muçulmanos negam o pecado original. A maioria deles define o pecado apenas como desobedecer à vontade de Alá. Essa desobediência vem da fraqueza e ignorância do homem, mas não de uma corrupção em sua natureza. Embora os eruditos muçulmanos discordem sobre como definir as categorias, os muçulmanos creem realmente em pecados maiores e menores.
O pecado ofende a Deus?
Outro aspecto em que cristãos e muçulmanos diferem é em seu entendimento sobre o objeto do pecado. Contra quem pecamos? Chawkat Moucarry resume proveitosamente o entendimento islâmico quando escreve: “O islamismo ensina que nossos pecados não podem ofender nosso Criador, que permanece muito acima de nós para ser diretamente inquietado por nossa desobediência”.[1] O Alcorão sustenta que o pecador “faz mal a si mesmo” (Sura 6:51).
A Bíblia, entretanto, ensina que nosso pecado é contra o próprio Deus. Em nosso pecado e natureza pecaminosa, demonstramos hostilidade a Deus, provando que somos inimigos alienados de Deus (Rm 5.10; Cl 1.21). Nosso pecado afronta pessoalmente a Deus. O rei Davi disse após seu adultério com Bate-Seba: “Pequei contra ti, contra ti somente, e fiz o que é mau perante os teus olhos” (Sl 51.4). Em vez de ser insensivelmente não incomodado pelo pecado, Deus se entristece por ele (Gn 6.5-6). E, em sua justiça, Deus promete que não deixará o pecado sem punição (Êx 34.7), nem mesmo pecados não intencionais (Lv 4).
Quão sério é o nosso pecado?
Em face do que já abordamos, não devemos nos surpreender pelo pecado ser significativamente menos sério no ponto de vista muçulmano do que no ponto de vista cristão. O pecado repousa levemente na consciência muçulmana porque os muçulmanos veem o pecado primariamente como fraqueza e não como iniquidade, como transgressão geral e não como traição ímpia, não admitindo como o pecado desonra a Deus exatamente porque ocorre em e por aqueles que Deus criou à sua imagem. O pecado é uma ofensa tão horrorosa contra Deus que a única coisa que pode mitigar sua ira santa para conosco é o sacrifício de seu único filho (Rm 3.25).
Isto significa que uma das tarefas primárias que os cristãos têm ao compartilhar o evangelho é demonstrar a seriedade do pecado para todas as pessoas.
Fomentando urgência quanto ao perigo do pecado
Uma coisa que temos de fazer ao compartilhar o evangelho com nossos amigos muçulmanos é chamá-los a reagir urgentemente ao perigo e à corrupção do pecado. Enquanto continuarem a crer que Alá não é afrontado pelo pecado, não terão a motivação para arrependerem-se e confessarem. Os muçulmanos precisam ver que a Bíblia define o pecado como rebelião contra Deus, o que incorre na ira de Deus.
John Piper expressa algo sobre a tremenda urgência associada ao nosso pecado, a ira de Deus contra o pecado e o perigo da condenação eterna. Este deve ser nosso sentimento quando compartilhamos as gloriosas boas-novas do evangelho com nossos amigos muçulmanos:
Eu devo sentir a verdade sobre o inferno – que ele existe, é terrível e horrível, além do que possamos imaginar, para sempre e sempre. “Irão estes para o castigo eterno” (Mt 25.46). Ainda que eu entendesse o “lago de fogo” (Ap 20.15) ou a “fornalha acessa” (Mt 13.42) como um símbolo, seria confrontado com o terrível pensamento de que símbolos não são afirmações exageradas, e sim afirmações brandas, da realidade. Jesus não escolheu estas figuras para nos dizer que o inferno é mais tranquilo do que o ardor do fogo. Devo sentir a verdade de que, se antes eu estava tão próximo do inferno quanto estou da cadeira na qual me sento – até mais próximo… suas visões eram as minhas visões. Eu era filho do inferno (Mt 23.15), um filho do Diabo (Jo 8.44) e filho da ira (Ef 2.3). Eu pertencia à raça de víboras (Mt 3.7), estava sem esperança e sem Deus (Ef 2.12). Devo crer que, assim como um alpinista que, havendo escorregado, está pendurado pelos dedos sobre um abismo mortal, também antes eu estava pendurado sobre o inferno e a apenas uma batida de coração do tormento eterno. Digo-o lentamente: tormento eterno! Devo sentir a verdade de que a ira de Deus permanecia sobre a minha cabeça (Jo 3.36). A face de Deus estava contra mim (Sl 34.16); ele me odiava em meus pecados (Sl 5.5). A maldição e a ira de Deus eram a minha porção (Gl 3.10). O inferno não foi imposto a Deus por Satanás. Era o plano e a designação de Deus para pessoas como eu (Mt 25.41). Devo sentir em meu coração que toda a justiça do universo estava do lado de Deus e contra mim. Eu era totalmente corrompido e culpado, e Deus foi perfeitamente justo em sua sentença (Sl 51.4; Rm 3.4).[2]
Você sente a verdade e os horrores do inferno quando pensa em compartilhar com os outros as boas-novas da salvação de Deus? Quão frequentemente você pensa na realidade de que antes era filho do inferno, destinado à ira de Deus? Até um versículo popular como João 3.16 – agora amplamente sentimentalizado pelas opiniões superficiais sobre o amor de Deus – fala de uma condenação já pronunciada, sob a qual todo o mundo está por causa do pecado.
O horror e a certeza do pecado devem nos afligir e motivar a compartilhar a verdade sobre o pecado e sua abominação com nossos amigos muçulmanos, os quais pensam brandamente sobre o pecado e suas consequências. Concordo com John Piper quando ele escreve: “Se eu não creio em meu coração nestas verdades terríveis – se não creio nelas de modo que sejam reais em meus sentimentos – então, o bendito amor de Deus em Cristo não brilhará de modo algum”.[3]
[1] Chawkat Moucarry, The Prophet and the Messiah: An Arab Christian’s Perspective on Islam and Christianity (Downers Grove, IL: InterVarsity, 2001), 99.
[2] John Piper, Brothers, We Are Not Professionals: (Nashville: Broadman and Holman, 2002), 114–15.
[3] Ibid., 115.
Nenhum comentário:
Postar um comentário