“Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros.” (João 13.34-35)
Sem dúvida, muitos de vocês já ouviram a história do encontro do arcebispo Usher com o Sr. Rutherford. Mas ela é tão apropriada a este assunto, que não deixarei de contá-la novamente.
O arcebispo tinha ouvido sobre o maravilhoso poder da devoção de Rutherford e da beleza singular da ordem de sua casa e quis testemunhar por si mesmo. Contudo, ele não sabia como fazer isso, até que lhe ocorreu que poderia disfarçar-se como um viajante pobre. Seguindo essa idéia, ao cair da noite, ele bateu à porta do Sr. Rutherford, sendo recebido pela Sra. Rutherford. Perguntou se poderia ter abrigo para passar a noite. Ele respondeu: “Sim”, visto que costumavam receber estranhos. Ele o levou á cozinha e lhe deu algo para comer. Como parte de sua disciplina regular, a família catequizava os filhos e os empregados no sábado à noite. E, como é evidente, o homem pobre ficou entre eles na cozinha.
A Sra. Rutherford fez a todos eles algumas perguntas sobre os mandamentos. Ao homem pobre perguntou: “Quantos são os mandamentos?” Ele respondeu: “Onze”. “Ah! que coisa feia para um homem de sua idade, cujos cabelos estão grisalhos: não saber quantos são os mandamentos. Em nossa paróquia não há nenhuma criança maior de seis anos que não saiba isso”. O homem pobre nada disse em resposta, mas teve a sua refeição e foi para cama. Mais tarde ele se levantou e ouviu a oração de meia-noite de Rutherford. E ficou encantado com ela, se deu a conhecer, emprestou dele um casaco melhor e pregou por ele no domingo pela manhã, surpreendendo a Sra. Rutherford por usar estas palavras como seu texto: “Novo mandamento vos dou”. Ele começou com a observação de que isso poderia ser apropriadamente chamado de Décimo Primeiro Mandamento. Depois, o arcebispo foi embora, mas ele e Rutherford se revigoraram juntos. Esse é o Décimo Primeiro Mandamento. Na próxima vez que nos perguntarem quanto mandamentos existem, responderemos corretamente: onze.
Por que esse mandamento é novo? Não está incluído nos dez? Vocês sabem que nosso Senhor aprovou o resumo dos Dez Mandamentos apresentado pelo escriba: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lc 10.27). Então, como este mandamento – “que vos ameis uns aos outros” – é novo?
Ele é novo, primeiramente, na extensão do amor. Devemos amar nosso próximo como a nós mesmos, mas devemos amor nossos irmãos em Cristo como ele nos amou. Isso é muito mais do que amamos a nós mesmos. Cristo nos amou melhor do que amamos a ele. Cristo nos amou tanto que se entregou a si mesmo por nós, para que nenhum de nós diga: “Tenho de amar meu amigo, meu irmão, meu próximo como amo a mim mesmo”, mas para que interpretemos assim o mandamento de Cristo: “Devo amar meu irmão em Cristo como Jesus Cristo, que morreu por mim, me amou”. É um tipo de amor mais nobre em relação ao amor que temos de manifestar ao nosso próximo. Este é o amor de benevolência; aquele é um amor de afinidade e relacionamento íntimo. Envolve um grau mais elevado de sacrifício do que o recomendado pela lei de Moisés…
Ele é um novo mandamento porque está apoiado por uma nova razão. O velho mandamento estava amparado nesta declaração: “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão” (Êx 20.2). Os israelitas deviam obedecer à lei por causa da redenção que Deus havia realizado em favor de seu povo. Nós, porém, somos ordenados a amar uns aos outros porque Cristo nos redimiu de uma escravidão pior do que a do Egito, por meio de um sacrifício de valor mais elevado do que o oferecimento de miríades de cordeiros na Páscoa. “Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado” por nós (1 Co 5.7).
Ele nos tirou do jugo de ferro do pecado e de Satanás, quebrando totalmente nossas cadeias. Nossos inimigos nos perseguiram, mas ele os destruiu no mar, no mar Vermelho. Cristo nos redimiu com o sangue de seu coração; por isso, seu novo mandamento nos alcança com o maior significado possível: “Assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros”. É um novo mandamento por causa da sua extensão e da razão na qual está apoiado.
É um novo mandamento também porque é um novo amor, procedente de uma nova natureza e envolvendo um nova nação. Devo, como homem, amar meu compatriota porque ele é homem. No entanto, como pessoa regenerada, tenho o dever de amar meus irmãos em Cristo ainda mais, porque eles também são regenerados. Os laços de sangue têm de ser reconhecidos por nós muito mais do que o são pelos não-regenerados. Esquecemos facilmente que Deus “de um só fez toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra” (At 17.26). Por laço comum de sangue, somos todos irmãos. Todavia, amados, os laços da graça são muito mais fortes do que os de sangue. Se vocês já nasceram de Deus, são irmãos por meio de uma irmandade muito mais forte do que a irmandade natural que os capacitou a dormir no mesmo berço, mamar no mesmo peito; pois os irmãos segundo a carne podem separar-se eternamente. A mão direita do Rei talvez seja a posição atribuída a um deles, e a esquerda, a posição designada ao outro; mas os irmãos nascidos verdadeiramente de Deus compartilham de uma irmandade que durará para sempre. Aqueles que agora são irmãos em Cristo serão sempre irmãos.
Expressamos uma atitude deveras bendita quando somos capazes de amar uns aos outros porque a graça que está em nós vê a graça que está no outro e discerne nele, não a carne e o sangue do Salvador, mas uma semelhança com Cristo e ama o outro por causa de Cristo. Assim como é verdade que, se somos do mundo, o mundo ama os seus, assim também é verdade que, se somos do Espírito, o Espírito ama os seus. Toda a família dos redimidos de Cristo está unida por laços firmes. Sendo nós mesmos nascidos de Deus, estamos sempre procurando outros que foram “regenerados não de semente corruptível, mas de incorruptível, mediante a palavra de Deus, a qual vive e é permanente” (1 Pe 1.23). Quando os achamos, não podemos deixar de amá-los. Entre nós há, imediatamente, um vinculo de união.. Vocês estão ligados a Deus. Portanto, devem ter comunhão com todos os que estão ligados a ele, quer gostem, quer não…
Amados irmãos, este é um novo mandamento porque é compelido por novas necessidades. Os cristãos devem amar uns aos outros porque são súditos de um Rei, que é também seu Salvador. Somos um pequeno grupo de irmãos em meio a uma vasta multidão de inimigos. “Eis que eu vos envio”, disse Jesus aos seus discípulos, “como ovelhas para o meio de lobos” (Mt 10.16). Se vocês são verdadeiros cristãos, não terão o amor dos mundanos. Não podem tê-lo. Eles os ridicularizarão e os chamarão de tolos, hipócritas ou algo igualmente desagradável. Então, apeguem-se mais uns aos outros. Em qualquer oposição que vocês enfrentarem de fora, permitam que ela os consolide em uma união mais firme [um com os outros]. Somos como uma pequena companhia de soldados, na terra do inimigo, cercados fortemente pelos vastos batalhões de inimigos; por isso, temos de permanecer juntos. Temos de ser como um único homem, unidos em comunhão íntima, como nosso grande Capitão nos ordena. Deus permita que o próprio fato de que estamos num país do inimigo resulte em tornar-nos mais completamente um do que temos sido!
Quando ouço um cristão achando erros em seu pastor, sempre admito que o Diabo encontrou alguém para fazer a sua obra suja. Espero que nenhum de vocês jamais seja encontrado a reclamar dos servos de Deus que estão fazendo o seu melhor para promover a causa do Senhor. Já existem muitos que estão prontos a achar erros neles…
Além disso, queridos irmãos, este mandamento é novo porque é sugerido por novas características. Em nosso próximo, pode haver algo amável; mas, em nossos irmãos em Cristo, tem de haver algo amável. Suponha que sejam pessoas recém-nascidas de Deus – de minha parte, não tenho uma visão mais bela do que a de uma pessoa recém-nascida em Cristo. Gosto de ouvir as orações daquele é recém-convertido. Talvez haja… enganos e erros na oração, mas isso não a destrói. Um cordeiro não bali exatamente no mesmo tom em que bali um carneiro. Contudo, um cordeiro é um objeto muito lindo, e qualquer um gosta de ouvir seus frágeis balidos. Há uma beleza nos cordeiros do rebanho de Cristo, assim como há nos carneiros adultos. Não há nada mais agradável a ser visto no mundo do que um crente envelhecido que viveu perto de Deus. Quão calmo é o espírito desse crente! Quando ele começa a falar sobre as coisas de Deus e a testemunhar sobre o amor de seu Senhor, quão encantador é o seu falar! Há muitas coisas lindas nos verdadeiros cristãos. Então, procurem encontrar as excelências deles, e não os seus defeitos. Se nós mesmos estivermos num estado de coração correto, é muito provável que admiraremos o que é bom nos outros… Há uma beleza em seus amigos que não há em vocês mesmos. Não fiquem sempre contemplando o espelho. Há vistas mais linda a serem contempladas. Olhe para a face de seu irmão em Cristo; e, quando vê nele algo da obra do Espírito, ame-o por causa disso.
Mais uma coisa: este mandamento é novo porque é uma preparação para perspectivas melhores do que as que desfrutamos antes. Nós, que cremos em Jesus, viveremos juntos no céu, para sempre; por isso, podemos ser bons amigos enquanto estamos neste mundo. Veremos uns aos outros com a mesma glória e nos ocuparemos, para sempre, em uma realização comum: a adoração de nosso Senhor e Mestre. A lembrança desta verdade deve remover muitas barreiras que agora existem em nossa sociedade… Pode também dar testemunho de que freqüentemente eu aprendo mais em uma hora de conversa com um homem piedoso do que aprendo de um homem instruído que conhece muito pouco as coisas de Deus. Nunca julgue os homens pelas roupas que eles vestem, mas pelo que eles são em si mesmos. É o coração do homem e, acima de tudo, a graça de Deus residente no coração desse homem que você e eu devemos valorizar e amar. Que Deus nos ajude a fazer isso!
Extraído de um sermão pregado no Metropolitan Tabernacle, em Newington, no domingo 4 de abril de 1875, reimpresso por Publications Pilgrim.
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