sexta-feira, 13 de março de 2015


AprendaOQueABiblia

Identidade é importante. É importante para a nossa cultura, inundada por políticas identitárias e pelos apelos inatacáveis que o conceito de identidade proporciona. E é importante entre os cristãos. Nós chamamos as pessoas a viver de acordo com e à altura de quem elas são em Cristo: peregrinos e forasteiros, sal e luz, membros do corpo de Cristo ou da noiva de Cristo, templo do Espírito, nova criação e assim por diante. Nós encorajamos uns aos outros a nos revestirmos do novo homem.
Contudo, com freqüência, os marcadores identitários do Novo Testamento são mais informados por nosso próprio contexto e nossas pressuposições culturais do que pelo enredo bíblico. O enredo do peregrino e forasteiro pode se tornar o enredo do fundamentalista cultural justificando seu desengajamento. O enredo da noiva pode facilmente se tornar o enredo de um sentimentalismo egocêntrico no qual, como acontece com as noivas americanas todos os sábados, nós somos o foco e o centro de tudo.
A história da filiação
Todavia, se havemos de aprender a usar os marcadores identitários da Bíblia em nosso aconselhamento e discipulado, então precisamos compreender o enredo bíblico mais amplo de nossa identidade como filhos e filhas de Deus. Esse enredo é uma ferramenta poderosa para combater o discipulado narcisista que permeia grande parte do cristianismo.
Princípios
Da criação de Adão e Eva conforme a semelhança de Deus à sua responsabilidade de representar Deus como vice-regentes sobre a criação (Gênesis 1.26-28), ao seu privilégio de intimidade com Deus (Gênesis 3.8) e sua habilidade singular de refletir de volta para Deus a sua glória, à sua obrigação de obedecer (Gênesis 2.15), a imago Deise projeta na forma de filiação. Desde o princípio, o padrão se estabelece: tal pai, tal filho. Assim como Deus governa a criação, também o filho deveria representar aquele governo.
Como é óbvio, o primeiro filho, Adão, foi desobediente ao seu Pai. A imagem de Deus não foi perdida, mas ela agora vem com a herança maldita do nosso pai terreno, uma natureza corrompida e arruinada pelo pecado. Desse ponto em diante, a inclusão na família de Deus não é mais por nascimento, mas por adoção.
Um novo começo?
Em Gênesis 12, Abrão, o filho de um idólatra, é adotado por Deus a fim de tornar-se o pai de uma nova nação. Ele recebe um novo nome: Abraão. Ele recebe a promessa de um filho e, mais do que isso, de uma herança para aquele filho.
De novo e de novo, essa promessa é posta em xeque: pela esterilidade, pela traição, pela fome, pela própria morte. Quando Deus chama Abraão a sacrificar o seu filho como oferta queimada (Gênesis 22.2), parece que a promessa e a história do filho estão acabadas, porque o filho ainda é o filho de Adão que merece morrer.
Mas Deus não acabou. Ele resgata o filho de Abraão, o filho de Isaque e os filhos de Jacó, até que o filho se torna a nação de Israel inteira.
Em Êxodo 4, Deus diz a Moisés que diga a Faraó: “Deixe o meu filho ir para prestar-me culto” (v. 23, NVI). Deus então resgata o seu filho corporativo, Israel, do rei-serpente e conduz o seu filho à sua herança, a terra prometida, um segundo Jardim do Éden.
Deus também suscita um rei, um homem segundo o seu coração, chamado Davi, e lhe promete que um filho dele governará sobre um reino que não terá fim. O filho de Davi será o filho de Deus, que representará tanto Deus como o seu povo. Ele reinará em justiça e fará a obra que o Pai lhe confiar, resgatando o seu povo das mãos de seus inimigos.
Mas nem o filho corporativo nem os filhos de Davi são fiéis. Eles continuam em sua rebelião. Ao final do Antigo Testamento, o trono de Davi está vazio.
O Filho vem e nos torna filhos
Então veio o verdadeiro Filho de Deus. Jesus é o Filho Divino encarnado, o verdadeiro Rei, o Messias que veio para fazer a obra que o Pai lhe confiara (João 4.34, 5.19, 6.38). Ele afirmou representar Deus: se você o visse, teria visto o Pai (João 1.49). Jesus é a verdadeira imago Dei, o segundo Adão, o verdadeiro Israel. Enfim, tal Pai, tal Filho.
Surpreendentemente, o filho corporativo o rejeitou. Contudo, Deus ressuscitou o Filho dentre os mortos e o fez assentar no próprio trono dos céus, de modo que todos os filhos da desobediência que se voltarem de seus pecados e forem unidos ao verdadeiro Filho pela fé receberão o poder de se tornarem filhos de Deus, adotados na família de Deus.
Uma vez adotados, eles são conformados à imagem do Filho a quem Deus ama. Esse processo não terminará até o dia em que o virmos, quando enfim seremos como ele é. “Vede que grande amor nos tem concedido o Pai, a ponto de sermos chamados filhos de Deus” (1 João 3.1). E, quando enfim formos como ele é, reinarmos com ele como filhos e filhas de Deus (2 Timóteo 2.2; Apocalipse 20.4, 6).
Discipulando e aconselhando a partir do enredo da filiação
Como esse enredo de filiação impacta o modo como nós usamos essa identidade bíblica em nosso discipulado e aconselhamento? Quero enfatizar quatro coisas.
1. O Pai ama os filhos porque o Pai ama o Filho
Primeiro, o Pai ama os filhos porque o Pai ama o Filho. O amor de Deus por nós como filhos não começa conosco. Começa com o seu amor pelo Filho Jesus Cristo. Por quê? Porque o Filho sempre foi e sempre será obediente ao Pai (João 10.17). E é esse amor que transborda em amor por nós, os filhos que estão unidos a Cristo pela fé.
Precisamos inculcar isso em nossas mentes enquanto discipuladores e conselheiros. Podemos dizer “Deus ama você” o dia inteiro, e isso de nada adiantar, porque as pessoas no fundo sabem que não merecem o amor de Deus. Mas, quando me é dito que Deus ama a Cristo e que eu fui adotado em Cristo pela fé, agora eu tenho algo em que pôr a minha confiança, algo que não contradiz o meu conhecimento de mim mesmo.
Cristão, você é amado, não porque você é amável ou obediente, mas porque Cristo é amável e obediente e você está em Cristo. Você foi adotado.
2. Um filho glorifica o seu Pai ao representá-lo perante o mundo
Segundo, o papel de um filho é dar glória ao seu Pai ao representá-lo perante o mundo. Jesus fez essa afirmação acerca de sua própria vida repetidamente. João 5.19: o Filho somente pode fazer “aquilo que vir fazer o Pai; porque tudo o que este fizer, o Filho também semelhantemente o faz”. E tudo isso é para trazer glória ao Pai. Como Jesus orou, “Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer” (João 17.4).
Mas o que é verdade acerca de Cristo também é verdade acerca dos filhos que estão em Cristo. Mateus 5.9: “Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus”. Mateus 5.44-45: “Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste”. Efésios 5.1: “Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos amados”. Herdeiros de Deus devem portar o nome do Pai e fazer avançar a reputação do Pai. Esse é um elevado chamado e privilégio.
3. O privilégio do Filho é uma herança segura
Terceiro, o privilégio do Filho é uma herança segura. Jesus afirma isto: “O escravo não fica sempre na casa; o filho, sim, para sempre” (João 8.35). Paulo assimila a mesma idéia: “E, porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai! De sorte que já não és escravo, porém filho; e, sendo filho, também herdeiro por Deus” (Gálatas 4.6). Muito mais do que uma experiência emocional e psicológica de amor, este versículo nos promete uma herança e um lugar permanente na família. Essa herança é certa e segura.
Que é essa herança? A principal imagem no Antigo Testamento é de uma terra. Na era presente, nós não recebemos uma terra, mas o Espírito. E, incrivelmente, o Espírito é apenas um penhor. A nossa plena herança ainda nos aguarda, pois a nossa plena herança é o próprio Deus Trino em uma nova criação perfeitamente planejada para o nosso florescimento e a sua glória.
4. A meta do Filho é a obediência
Quarto, a meta do Filho é a obediência. Essa deveria ter sido a meta de Adão, de Israel e de Davi. Mas foi, sem dúvida, a meta de Jesus. Ele foi obediente ao Pai até o fim. Não foi uma obediência relutante, desejando que houvesse outro caminho. Não foi uma obediência mesquinha, na esperança de que talvez o Pai lhe amasse por obedecer. Não foi uma obediência orgulhosa, do tipo “Ei, olhe para mim!”. Foi uma obediência voluntária – “eu espontaneamente a dou” (João 10.18). Foi uma obediência confiante – “porque me amaste antes da fundação do mundo” (João 17.24). Foi uma obediência humilde – Jesus não se envergonha de nos chamar irmãos (Hebreus 2.11). E essa obediência foi a sua alegria.
Quando nós usamos a linguagem da filiação em nosso discipulado e aconselhamento, se nós apenas transmitimos a promessa da intimidade e do livre acesso, que Romanos 8 ensina, então estamos contando apenas parte da história. Filhos não são apenas os recipientes de amor, copos vazios de amor que precisam ser cheios. Eles também são aqueles que ativamente amam seu Pai. E João nos diz: “E o amor é este: que andemos segundo os seus mandamentos” (2 João 6).
Eu poderia chegar ao ponto de dizer que o tema dominante vinculado à filiação no Antigo Testamento e no Novo não é intimidade, acesso, afeição, nem mesmo segurança. É obediência.
Tudo se encaixa em Romanos 8. Deus nos predestinou para sermos conformes à semelhança, à imagem do seu Filho, a fim de que ele fosse o primogênito entre muitos irmãos (Romanos 8.29). E, portanto, Paulo diz, “Portanto, irmãos, estamos em dívida, não para com a carne, para vivermos sujeitos a ela. Pois se vocês viverem de acordo com a carne, morrerão; mas, se pelo Espírito fizerem morrer os atos do corpo, viverão, porque todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (Romanos 8.12-14, NVI). A meta dos filhos é a obediência.
A próxima coisa que Paulo diz é que pelo Espírito nós clamamos “Aba, Pai” (Romanos 8.15). E assim o círculo se fecha. Intimidade e obediência andam lado a lado na história do Filho.
Uma nova história
Nós vivemos numa era terapêutica, uma era de relacionamentos quebrados e famílias fraturadas, em que pais são tolos, bufões, capatazes, ou apenas completamente ausentes. Os filhos criam a si mesmos até a fase adulta por meio de imagens da internet e da TV. Francamente, com as filhas é ainda pior. Então, não deveria nos surpreender que, na linguagem bíblica de filhos e filhas, nós encontramos um poderoso antídoto para um veneno mortal.
Mas, de fato, em nossa identidade como filhos e filhas de Deus nós recebemos algo muito mais poderoso do que um antídoto para os fracassos de nosso tempo. Recebemos uma identidade que nos chama além de nós mesmos e de nossas necessidades emocionais para o enredo da glória de Deus.
Um dia, a nossa esperança será recompensada; a nossa obra terá um fim. “A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus” (Romanos 8.19). E essa expectativa não será frustrada. Naquele dia, uma nova história começará: a história da gloriosa liberdade dos filhos e filhas de Deus.

A Igreja Pela Qual Cristo Morreu

Na 13ª Conferência Fiel para Jovens, venha refletir conosco sobre “A Igreja pela qual Cristo morreu”. Esperamos tê-lo conosco!
Por: Michael Lawrence. © 2014 9Marks. Original: Biblical Theology and Identity.
Esse artigo faz parte do 9Marks Journal.
Tradução: Vinícius Silva Pimentel. Revisão: Vinícius Musselman Pimentel. © 2014 Ministério Fiel. Todos os direitos reservados. Website: MinisterioFiel.com.br. Original: Teologia Bíblica e Identidade: Filhos de Deus.

Michael Lawrence é o pastor principal da Hinson Baptist Church em Portland, Oregon, EUA, e o autor de Biblical Theology in the Life of the Church (publicado em inglês pela editora Crossway, sem tradução em português).

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