O poder do “livre-arbítrio” resume-se nisto — Satanás domina-o inteiramente, de tal maneira que o “livre-arbítrio” rejeita a graça de Deus. E também rejeita o Espírito Santo, o qual cumpre em nós a lei, visto que o “livre-arbítrio” imagina que é capaz de obedecer à lei mediante os seus próprios esforços.
- Martinho Lutero
Como dissemos anteriormente, começamos um novo tipo de postagem no Voltemos ao Evangelho:Voltemos aos Clássicos, onde iremos ler e discutir juntos um livro que seja um clássico da literatura cristã. Para esta discussão era preciso ler até a página 41 do livro Nascido Escravo.
O poder do “livre-arbítrio” resume-se nisto — Satanás domina-o inteiramente, de tal maneira que o “livre-arbítrio” rejeita a graça de Deus. E também rejeita o Espírito Santo, o qual cumpre em nós a lei, visto que o “livre-arbítrio” imagina que é capaz de obedecer à lei mediante os seus próprios esforços.
- Martinho Lutero
O “livre-arbítrio” é meu e eu defino como eu quero!
Como falamos na postagem anterior, definir “livre-arbítrio” é o passo número um e essencial para qualquer boa discussão sobre o assunto.
Segundo Lutero, Erasmo falou pelos dois lados da boca quando tentou dar tal definição. Por um lado, ele afirmava: “Compreendo o ‘livre-arbítrio’ como o poder da vontade humana, mediante o qual uma pessoa pode aplicar ou afastar-se das coisas que conduzem à eterna salvação” (45). E por outro: “O homem não pode querer fazer o bem; ele não pode tomar tal iniciativa, progredir nessa direção ou consumar o bem, sem a graça especial.”
A questão se torna óbvia: o homem pode ou não se aplicar ou se afastar das coisas que conduzem à eterna salvação só pelo poder de sua vontade, ou ele precisa de uma graça especial? (É justamente isso o infográfico de sexta-feira)
Para Lutero, se você precisa da graça de Deus, já não é mais livre-arbítrio, pois, por definição, você não tem a capacidade em si mesmo. Você precisa de algo externo. Ele argumenta que:
- precisamos da lei para sabermos o que é o pecado (Rm 3.20),
- “sem o Espírito Santo jamais tomaríamos conhecimento dessa salvação e, assim sendo, não poderíamos nos “dedicar” a buscá-la” (1 Co 2.9-10); (46)
- “a fé é um dom especial conferido por Deus” (Ef 2.8). (51)
Resumindo: “nossas fraquezas pertencem a nós mesmos, e a nossa capacidade nos é dada através da graça de Deus” (61); “o ‘livre-arbítrio’ é completamente impotente” (52).
Destaque do capítulo: Mandamento não pressupõe capacidade
Mas o destaque do capítulo está na distinção que Lutero faz entre Deus mandar algo e sermos capazes de cumprir. Este é um argumento comum até os dias de hoje. Muitos pensam da seguinte forma: “Se Deus mandou, então eu devo ser capaz de cumprir”. Erasmo assim argumentou, usando alguns textos bíblicos:
- Gênesis 4.7: o pecado o ameaça à porta; ele deseja conquistá-lo, mas você deve dominá-lo”
- Deuteronômio 30.19: “Hoje invoco os céus e a terra como testemunhas contra vocês, de que coloquei diante de vocês a vida e a morte, a bênção e a maldição. Agora escolham a vida, para que vocês e os seus filhos vivam.”
- Etc.
Agora, vamos ser sinceros. O texto diz: “O homem tem capacidade natural de obedecer o que Deus manda”? Como Lutero mostrou, “Ao homem é mostrado o que ele deve fazer, e não o que ele pode fazer” (52).
Por fim, Lutero vai argumentar que esses textos mostram, na verdade, pela experiência, justamente o contrário. Pense no seguinte: Deus ordena que o amemos com tudo o que temos e somos? Você já o amou de tal maneira? Mas se Deus mandou, não significa que você pode? Sim, significa que você é responsável por fazer; mostra o que deve fazer. Mas daí vem a realidade de nossa condição caída: nós não conseguimos, na força de nossa vontade.
E é justamente esse um dos motivos pelo qual Deus deu sua lei: nos tornar plenamente conscientes do pecado (Rm 3.20). Isso inverte totalmente o jogo! Esses textos, então, deixam de ser argumentos, para mostrar nossa capacidade, porém, argumentos para mostrar nossa incapacidade!
Um exemplo final (meu, não de Lutero). No mesmo texto de Deuteronômio que Deus coloca vida e morte diante do povo para eles escolherem, no próximo capítulo Deus fala que sabe que eles se desviarão. E o Senhor disse a Moisés: “Você vai descansar com os seus antepassados, e este povo logo irá prostituir-se, seguindo aos deuses estrangeiros da terra em que vão entrar. Eles se esquecerão de mim e quebrarão a aliança que fiz com eles” (Dt 31.16). O qual seja o motivo: eles são rebeldes e obstinados (31.26-27).
E não éramos nós todos assim? Como Paulo diz:
“Houve tempo em que nós também éramos insensatos e desobedientes, vivíamos enganados eescravizados por toda espécie de paixões e prazeres. Vivíamos na maldade e na inveja, sendo detestáveis e odiando-nos uns aos outros. Mas quando se manifestaram a bondade e o amor pelos homens da parte de Deus, nosso Salvador, não por causa de atos de justiça por nós praticados, mas devido à sua misericórdia, ele nos salvou pelo lavar regenerador e renovador do Espírito Santo, que ele derramou sobre nós generosamente, por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador.” (Tito 3:3-6)
Nós éramos escravos. Deus nos salvou.
Obs.: uma coisa que ajuda neste debate é entender a diferença entre capacidade natural ou moral. Veja este vídeo do Sproul para entender mais.
Adendo: Livre-arbítrio e Predestinação – só para variar!
Uma observação final. Toda vez que falamos que o homem não tem livre-arbítrio, logo surge a discussão sobre predestinação (e não foi exatamente assim nas postagens do VE?). Então, era de se esperar que Erasmo levantasse tal acusação. Segundo ele:
Agora chegamos aos seus textos “comprobatórios” do Novo Testamento. Você destaca o texto de Mateus 23.37: “Jerusalém! Jerusalém!… quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes!” Você argumenta que, se tudo acontece precisamente conforme Deus deseja, então Jerusalém poderia replicar com justa causa: “Por que desperdiças as tuas lágrimas? Se não tinhas a intenção que déssemos ouvidos aos profetas, então por que os enviaste? Por que nos consideras responsáveis, quando Tu decidiste aquilo que deveríamos fazer?”
Lutero passa então a falar sobre “as duas vontades de Deus”: a vontade revelada e a vontade secreta. Ele diz:
Porém, conforme eu já disse, não nos compete intrometermo-nos na vontade secreta de Deus, pois as coisas secretas de Deus estão inteiramente fora do nosso alcance (l Tm 6.16). Devemos dedicar o nosso tempo considerando o Deus encarnado, o Senhor Jesus Cristo, em quem Deus tornou claro para nós o que deveríamos e o que não deveríamos saber (Cl 2.3).É verdade que o Deus que se tornou carne exclamou: “Quantas vezes quis eu… e vós não o quisestes!” Cristo veio a este mundo a fim de realizar, sofrer e oferecer a todos os homens tudo quanto é necessário à sua salvação. Mas alguns homens, endurecidos por causa da vontade secreta do Senhor, rejeitam-nO (Jo 1.5,11). O mesmo Deus encarnado, entretanto, chora e lamenta-se em face da destruição eterna dos ímpios, ainda que, em sua divina vontade, propositalmente, Ele os tenha deixado perecer. Não nos cabe perguntar “por quê”, mas, antes, nos prostrarmos admirados diante de Deus.Neste instante ,alguns dirão que logo que sou empurrado para um canto, evito enfrentar frontalmente a questão, dizendo que não devemos nos intrometer na vontade secreta de Deus. Entretanto, isso não é invenção minha. Foi dessa maneira que Paulo argumentou em Romanos 9.19,21; e Isaías, antes de Paulo (Is 58.2). É evidente que não devemos procurar sondar a vontade secreta de Deus, sobretudo quando observamos que são justamente os ímpios que são fortemente tentados a fazê-lo. Nós devemos adverti-los a ficar calados e reverentes. Se alguém quiser levar avante essa forma de inquirição, é bem-vindo a fazê-lo; porém, descobrir-se-á lutando contra Deus. Quanto a nós — ficaremos observando para ver quem vencerá!
Antes de você pensar que Lutero era louco e esse Deus, esquizofrênico, reflita no seguinte caso:
- O assassinato não é a vontade de Deus (Ex 23.7);
- O assassinato na cruz do Filho de Deus era a vontade de Deus (At 4.27-28).
E, então, a morte de Cristo era ou não a vontade de Deus?
Não temos espaço aqui para abordar esse assunto, mas se você quer estudar mais recomendo estes textos:
- Há Duas Vontades em Deus? Sim – Jonathan Edwards (curtinho)
- Qual a diferença entre a vontade decretiva e preceptiva de Deus? – R. C. Sproul (video)
- Existem duas vontades em Deus? – Sam Storms
- Existem Duas Vontades em Deus? – John Piper
Sua vez!
1) Você acha que se Deus mandou algo, isso significa que nós temos a capacidade para cumprir em nós mesmos?
2) O que chamou mais sua atenção no capítulo? Algo que você concordou ou discordou?
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