Não era para Israel ter desejado um rei, mas pediram por um mesmo assim. Assim, Deus deu a eles o que queriam: um impressionante rei humano, assim como as outras nações tinham. Seu nome era Saul, e ele não durou muito. Ele desobedeceu a ordem divina, enfurecendo o profeta-juiz Samuel e entristecendo o Senhor Deus.
Veio a palavra do SENHOR a Samuel, dizendo: “Arrependo-me de haver constituído Saul rei, porquanto deixou de me seguir e não executou as minhas palavras” (1 Samuel 15.10-11).
Em 1 Samuel 15.35, nós vemos uma declaração semelhante:
“Nunca mais viu Samuel a Saul até ao dia da sua morte; porém tinha pena de Saul. O SENHOR se arrependeu de haver constituído Saul rei sobre Israel”.
Fortes palavras, e surpreendentes também. O que significa Deus dizer “Eu me arrependo”? Deus pode mudar de opinião? Deus é ignorante quanto ao futuro? Deus é como nós, em cometer erros honestos e, às vezes, olhar para suas decisões passadas e dizer: “Puxa, queria poder voltar e fazer isso diferente”? Parece que o nosso Deus comete erros e é forçado a mudar de curso.
Ainda assim, sabemos que essa não é a maneira correta de entender o arrependimento de Deus por causa do que lemos alguns versos antes em 1 Samuel 15:
Então, Samuel lhe disse: “O SENHOR rasgou, hoje, de ti o reino de Israel e o deu ao teu próximo, que é melhor do que tu. Também a Glória de Israel não mente, nem se arrepende, porquanto não é homem, para que se arrependa” (28-29).
Devemos ter em mente um dos grandes princípios da interpretação bíblica: o autor não era completamente estúpido. Não temos razões (além das nossas próprias inclinações) para pensar que o versículo 29 foi inserido por um escriba posterior, nem qualquer razão para pensar que o versículo 29 não está em concordância com os versículos 11 e 35. Claramente, se queremos ser sábios e consistentes estudantes da Escritura, temos que admitir que, em certo sentido, Deus possa se arrepender, enquanto que em outro sentido, Deus não seria Deus se ele se arrependesse.
O autor de 1 Samuel — sem falar do Autor por trás de 1 Samuel — está tentando nos ensinar algo a respeito de Deus. Por um lado, nosso Deus não é estático, monótono e sem vida. Como um Ser pessoal e relacional, a atividade de Deus no mundo está sujeita à mudança, dando espaço para todo o dinamismo que temos em nossos relacionamentos pessoais. A tendência sempre foi haver conflito na história pactual entre Deus e seres humanos, mas isso não significa que que haja conflito dentro do ser interior de Deus (veja Horton,The Christian Faith, 240-241). Conforme os caminhos de Deus aparecem para nós, haverá mudança e variação, mas como Deus é, em seu caráter e sua essência, não pode haver variação ou sombra de mudança (Tiago 1.17; cf. Malaquias 3.6; Hebreus 13.8; 2 Timóteo 2.13).
Quando Deus reflete sobre a desobediência de Saul, ele usa um termo que faz sentido para nós: o termo “arrependimento”. Mas isso não significa que Deus era ignorante quanto ao pecado de Saul ou tenha sido pego de surpresa por sua rebelião. Como John Piper salienta, Deus é bem capaz de lamentar uma situação que ele próprio já sabia de antemão e fez acontecer. Em outras palavras, o arrependimento de Deus não é análogo de todos os ângulos ao nosso arrependimento. Esse parece ser o ponto que o versículo 29 está explicitamente argumentando. Deus pode olhar para Saul e dizer: “Entristeço-me por ele ter pecado; é hora de encontrar outro rei” mantendo, ainda assim: “Eu nunca mudo de ideia”.
É natureza do nosso relacionamento pactual com Deus conhecê-lo como alguém que responde e reage, o que deve parecer para nós muito mais incrível, visto que é natureza do nosso Deus Fiel nunca mentir, arrepender-se ou mudar de ideia (Números 23.19).
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